sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O mundo das medidas

01/12/2007 12:06

Muito me assustam o poder e a rapidez com que as inovações tecnológicas invadem nossas vidas!...
Passamos a recalcular todas as medidas, e os espaços tornaram-se, devido à latente possibilidade, aguardantes das maravilhas industriais. Casas com garagem, edifícios com garagens (dois, três andares; carros empilhados); as larguras das ruas foram adaptadas para comportar a circulação média de dois veículos lada a lado, considerando estacionamento regular à esquerda e paradas de ônibus à direita. As mesas de estudos nos quartos dos jovens modificaram-se em tamanho e forma para receber aparatos cibernéticos; tantas novas palavras ocupando um antigo espaço, facilitando uma mesma função. Até as mochilas atualmente possuem bolsos acessórios e passagem para o fone de ouvido de tocadores de música e telefones portáteis de qualquer espécie. É quase impossível conceber um transeunte que não leve consigo alguma dessas inovações.
Acrescentam-se aí mais duas medidas em mutação: a do silêncio e a da solidão. Nunca estamos sós ou nunca estivemos tão sós! Vozes fazem-nos companhia constantemente, tornando-nos majoritariamente disponíveis, privando-nos de nossa privacidade, compondo-nos a trilha sonora de nossos dias; mas excluem-nos da presença presente do outro, do som em meio ao hálito quente, do fazer sentir através do tocar.
Estamos sempre com pressa e as medidas do tempo e da distância também se confundem e se abstraem. Um trem sob a terra encurta-nos o trabalho de muitas combustões e nos faz crer que a distância entre dois extremos da cidade pode ser calculada em minutos. O oceano inteiro que nos separa do velho continente reduziu-se a dois cafés, três refeições, uma taça de vinho e duas latinhas de refrigerante; uma revista bi ou trilíngue, banheiro apertado e a dor da despressurização nos tímpanos. Pode-se também viajar sem sair de casa: a escrivaninha devidamente aparelhada permite-nos estar em toda e qualquer parte do mundo sem que para isso precisemos tirar os pijamas e limpar as remelas.
Tal magnificência tecnológica desmantela a medida do amor. A virtualidade legitima a impostura dos amantes, as falsas verdades, as ilusões intencionais. Pode-se conquistar vinte, amar dez e nunca estar com nenhuma – e mesmo assim sentir-se realizado com isso. Ficcionalizam-se mais as relações, ainda que haja a ilusão da proximidade provocada pela projeção da imagem do amado, borrado, ‘pixelizado’, ‘giga-hertzamente’ interferido na tela diante de si.
Ah, como o mundo das máquinas e das possibilidades altera a medida de si! Melhor caráter possui quem dirige um bom carro; é a mulher mais bonita aquela que melhor for ‘editada’ – e as demais mortais que se matem para se metamorfosearem no ideal. Estampamos arbitrariamente por aí nossos rostos, nossas ideias, nossos cachorros e o resto da família para satisfazer o ego e ocupar um espaço fabricado e não físico de estabelecimento de relações, justamente concebido para duplicarmos a vida que levamos modificando-a – uma caridosa ilusão de esperança.
Perdeu-se a medida do respeito através do grito da buzina, do ficar parado na porta do vagão do metrô mesmo quando não se vai saltar na estação; através da secretária eletrônica que responde por nós, do telefone que toca durante o filme. Extinguiu-se a medida do afeto quando deixamos de escrever beijo para digitar bj.