Hoje, tentei escrever uma carta de amor.
Não consegui.
Tenho uma folha de caderno rabiscada com
algumas anotações sobre a moça – tudo que nela me encanta e que observo com cauteloso
desvelo. Aprecio detalhes desimportantes, essas coisas que o coração enamorado
captura sem querer. Mesmo assim, tentei escrever uma carta de amor e não
consegui.
Onde foi parar aquele fervor das
palavras que precisam ser proferidas, da paixão que urge para ser declarada?
Fui incapaz de escrever, sequer, algumas
linhas. Qualquer intenção de iniciar a epístola é rapidamente impossibilitada por
um congelamento do espírito. Os dedos não se mexem sobre o teclado, as batidas
do coração ficam mais lentas, querendo incapacitar o restante do corpo; nenhuma
palavra surge. Nada.
Penso nos gestos dela, no seu jeito de
falar, na cor e no cheiro de sua pele. Novamente, nada. Orquestrar ideias e imagens
em estruturas textuais bonitas parece-me impossível. De onde vem essa censura?
Acredito que cartas de amor sejam contratos
de entrega: “Eu declaro a você que meu tempo e meus pensamentos e
minha energia já não me pertencem porque meu coração não sabe mais discernir o
que não é você entre as coisas do
mundo.”
É possível que eu não queira mais
declarar a outra pessoa que me perco e me esqueço – nela, por ela, com ela.
Percebo uma prudente interferência do superego em frear a palavra que tenta se
fazer saber pela necessidade da alma de tumultuar a paz do cosmo. Já não sinto vontade
de dizer ao outro que o amo – há sentimentos que ficam mais seguros enquanto
guardados exclusivamente em nosso íntimo.
Algum dia foi fácil escrever cartas de
amor. Várias. Bonitas. Coloridas. Extensas. Verdadeiras. Agora, a única verdade
é que nada sentido ou pensado é realmente novo: em quantas outras missivas e para
quantas outras mulheres as mesmas palavras já não foram usadas? O que há de original
em adjetivos carinhosos e manifestações de desejos que eu já não tenha
expressado anteriormente? Como expor um sentimento velho por uma pessoa nova?
Enfado-me na tentativa. Palavras, per se, não dão conta de suas próprias consequências.
A imanência do texto romântico é diretamente proporcional à inerência do sentimento:
cartas de amor duram o tempo da paixão – depois, viram lembranças guardadas no
fundo do armário ao lado de fotos empoeiradas e souvenirs sem importância.
O corpo, que tenta contornar a paralisia
dos sentidos, não triunfa sobre a ausência de perspectivas. O que sinto é um
vazio em expansão sobrepujando-se ao impulso de confessar os humores do coração.
Nada do que eu possa tentar expressar será capaz de exprimir minimamente o que
de fato sinto; nenhuma palavra pode incutir na pessoa amada a real dimensão do amor
exteriorizado – o único resultado disso é a frustração.
Afasto-me da tentativa de vencer a força
que me impede de escrever. Escolho entender o vácuo de motivação como um sopro
de autopreservação, e não como a destituição da capacidade de amar.
Hoje, tentei escrever uma carta de amor
e não consegui. Talvez eu tente novamente amanhã.
2 comentários:
que lindo! adorei! vc é muito boa nisso! ^^
Ah...meus olhos marejaram, meu coração apertou. Te amo, Tatá. Não sei o que vai ser de mim. :(
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